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A Canção de Roland — O Nascimento do Herói Medieval

  • carlospessegatti
  • há 12 minutos
  • 6 min de leitura
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O épico que funda o imaginário cavaleiresco da Idade Média e revela as raízes do ethos heroico francês


“Paien unt tort e chrestïens unt dreit.”

“Os pagãos estão errados e os cristãos estão certos.”La Chanson de Roland, laisse 101


“Roland é bravo, mas não é sábio.”— Provérbio medieval baseado no poema


1. O Poema que Inaugura a Épica Francesa

Entre os anos 1100 e 1125, surgiu na França (provavelmente em território normando) o texto que se tornaria a mais antiga e a mais importante das Chansons de Geste: La Chanson de Roland. Não se sabe ao certo quem o escreveu, mas o nome “Turoldus”, inscrito na última laisse (estrofe), sugere ter sido o autor, copista ou editor do manuscrito.


O poema integra o ciclo épico chamado Geste du Roi, dedicado às façanhas de Carlos Magno, já sacralizado como defensor da cristandade. Contudo, o verdadeiro foco narrativo não é o imperador, mas Roland, seu sobrinho e comandante da retaguarda durante a desastrosa emboscada de Roncesvales, no ano 778.


A Canção de Roland — com suas cerca de 4.000 decassílabos — não só inaugura um gênero literário como também estrutura um ideal: o cavaleiro cristão como encarnação de coragem, honra e martírio.


2. Histórico da Batalha e da Transformação Poética


O fato histórico

O evento real que inspira o poema foi modesto:

  • Em 778, as tropas de Carlos Magno, retornando da Espanha, sofreram um ataque dos bascos, não dos sarracenos.

  • Foi uma represália local, não uma guerra religiosa.

  • Roland era um oficial militar importante, mas não um mártir heroico.


A transfiguração épica

A literatura medieval não se limita ao real — sublima-o. A partir dos séculos XI e XII, em pleno fervor das cruzadas, o imaginário cristão reorganiza o acontecimento:

  • Os bascos tornam-se sarracenos, inimigos da fé.

  • A queda de Roland converte-se em sacrifício heroico.

  • A emboscada vira uma grande batalha de civilizações.

  • Carlos Magno, octogenário no poema, é representado como o rei ungido, iluminado por Deus.


Surge assim um mito fundador da cristandade guerreira medieval.


3. Estrutura, Estilo e Linguagem

A obra é escrita em laisses (estrofes de extensão variável), marcadas por assonâncias — não rimas. A linguagem é solene, formulaica, típica da poesia oral destinada aos trovadores (jongleurs).

Roland e Olivier são contrapartes simbólicas:

  • Roland: coragem absoluta, orgulho, impulso.

  • Olivier: prudência, sabedoria, razão.


Essa dialética ecoa no conflito central: Roland se recusa a tocar o olifante (trompa), o que teria chamado Carlos Magno em seu socorro.


Excerto (tradução livre)

“Olivier diz: ‘Toque o olifante, companheiro.’Roland responde: ‘Não. Eu não serei culpado de desonrar meus parentes e a doce França.’”Laisses 83–84


O heroísmo medieval é trágico: nasce da fidelidade inquebrantável, mesmo quando ela conduz à morte.


4. Temas Centrais

A lealdade absoluta

Roland encarna a fidelidade extrema ao rei e à pátria — um valor que organiza toda a narrativa.


A luta entre a Cristandade e o Islã

Mais ideológica do que histórica, essa oposição reflete o espírito das Cruzadas.


A tensão entre bravura e sabedoria

O erro heroico de Roland — o orgulho — é também sua grandeza.


A santificação da morte

A morte de Roland é um ritual:

“Com a mão direita, ele ergueu o guante, voltado para Deus, como sinal de penitência.”Laisse 176


O herói morre em direção ao Oriente, como quem contempla Jerusalém. A narrativa o aproxima de um mártir.


5. A Retaguarda, o Olifante e a Cena Final

A cena mais célebre do poema é o momento em que Roland, cercado, finalmente toca o olifante. Mas é tarde.


Seu gesto é tão intenso que o instrumento rompe e os templos de sua testa se quebram. É o heroísmo levado ao limite da carne. Quando Carlos Magno retorna e encontra o exército destruído, a narrativa adquire contornos escatológicos — uma batalha cósmica entre bem e mal.


6. A Obra Como Síntese do Imaginário Medieval

A Canção de Roland funciona como:

  • poema épico

  • documento ideológico das Cruzadas

  • fundação do ethos cavaleiresco francês

  • obra-prima da poesia oral

  • exaltação da fé, da honra e do destino trágico


Sem Roland, não haveria Tristão, Lancelot, Orlando Furioso, Roldan espanhol, nem Ariosto ou Tasso nas formas renascentistas.


7. Epílogo — A Permanência do Herói

Roland atravessa os séculos porque simboliza algo essencial da mentalidade medieval: o herói que enfrenta a morte consciente, orgulhoso, incapaz de trair seus valores — mesmo quando esses valores o conduzem ao fim.


Sua morte, de certo modo, é sua vitória.


“Deus enviou Seus anjos para buscar a alma de Roland.”Laisse 176

Assim nasce o herói francês — pela fusão de fé, sangue e canto.



A Canção de Roland — Versão Narrativa Poética

O eco do olifante através dos séculos


Narrativa Poética

No alto dos montes de Roncesvales, onde a névoa parece antiga como as primeiras rezas, marchava a retaguarda de Carlos, o Grande.


E na dianteira desse pequeno exército, erguia-se Roland, filho do orgulho, sobrinho do imperador, cavaleiro de olhar ardente, como se cada gesto fosse um pacto com a própria história.


O sol declinava, mas não sua coragem. As lanças brilhavam, o vento roçava os estandartes da França e o murmúrio das árvores parecia anunciar um presságio.


Olivier, seu amigo de alma prudente, via a sombra que se adensava no vale. “Chamemos Carlos, Roland.Ainda há tempo de evitar o fim dos bravos.”


Mas Roland, feito de chama e ferro, ergueu o rosto contra o vento. “Não, companheiro. A honra pesa mais que a vida. E a França não será envergonhada enquanto eu estiver de pé.”


E então vieram os sarracenos —um mar escuro de gritos, cimitarra e poeira. Os cavaleiros da retaguarda lutaram como quem luta pela eternidade. E a eternidade, naquele momento, cabia em um vale.


O combate rugiu por horas sem nome. O sangue misturou-se ao pó. Olivier tombou como uma árvore sábia. Roland, sozinho entre os mortos, ergueu enfim o olifante.


O som saiu áspero, rasgando montes e séculos; um som que não era de metal — era de destino. O chifre estourou, e com ele os templos do herói.


Quando Carlos Magno finalmente chegou, o vale parecia um altar. Roland jazia sobre a relva, com Durendal colocada sob o corpo, voltado para o Oriente —como se olhasse Jerusalém.


E Deus, dizem as laisses, enviou seus anjos. A alma do herói subiu como um canto, e o canto permanece. Na França, na Europa, no eco do mundo que ainda escuta o som do olifante.


Linha do Tempo Histórica

756–814 — Reinado de Carlos Magno

O Império Carolíngio se expande, reorganiza a Europa Ocidental e estabelece o imaginário da cristandade guerreira.



778 — A batalha de Roncesvales (evento histórico real)

  • Carlos Magno retorna da Península Ibérica.

  • Sua retaguarda é atacada por bascos, não por sarracenos.

  • Morrem Roland e outros oficiais.


Séculos IX–X — Formação das tradições orais

Histórias sobre Roland começam a circular entre trovadores, misturando fatos e lendas.

1100–1125 — Composição da Chanson de Roland

Provavelmente escrita por um clérigo normando. O nome Turoldus aparece no final do manuscrito mais antigo.


Século XII — Cruzadas

O poema torna-se instrumento ideológico e símbolo da luta cristã contra o Islã.


Século XIII — Consolidação das chansons de geste

A obra influencia outras narrativas épicas do ciclo carolíngio.


Séculos XIV–XV — Declínio do gênero

A prosa cavaleiresca toma o lugar da épica oral.


1837 — Redescoberta do manuscrito de Oxford

A obra renasce nos estudos literários modernos.


Séculos XX–XXI — Patrimônio cultural da França

A Canção de Roland passa a ser interpretada como monumento da literatura medieval e da formação do imaginário europeu.


Glossário das Figuras Centrais


Roland (ou Hruodlandus)

Sobrinho de Carlos Magno e comandante da retaguarda. Bravura absoluta, orgulho extremo. Simbólico como mártir e herói trágico.


Olivier

Companheiro de Roland. Representa a sabedoria, a razão prudente. O contraponto moral do herói.


Carlos Magno (Charlemagne)

Rei dos Francos e Imperador do Ocidente. Na épica, aparece como monarca sagrado, escolhido por Deus.


Ganelon

Padrasto de Roland e traidor supremo. Vende o herói aos sarracenos. Figura central no imaginário da traição medieval.


Turpin

Arcebispo-guerreiro. Une fé e espada: um soldado de Cristo. Simboliza a religiosidade militante das Cruzadas.


Durendal

A espada de Roland. Inscrições sagradas em seu punho. É quase um personagem próprio.


Olifante

O chifre de marfim usado por Roland para chamar ajuda. Seu sopro tardio é o momento mais emblemático do poema.


La Chanson de Roland



 
 
 

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