top of page
Buscar

A Construção da Intimidade Moderna: o Século XIX e o Surgimento da Esfera Privada

  • carlospessegatti
  • 7 de out.
  • 4 min de leitura
ree


HISTÓRIA DA VIDA PRIVADA - VOL. 4



A Construção da Intimidade Moderna: o Século XIX e o Surgimento da Esfera Privada


Um panorama do quarto volume de História da Vida Privada, organizado por Michelle Perrot sob a direção de Philippe Ariès e Georges Duby



“A Revolução Francesa havia prometido libertar os indivíduos; o século XIX procurou domesticá-los.”— Michelle Perrot, História da Vida Privada, vol. IV



O quarto volume da coleção História da Vida Privada (Companhia das Letras, 1992) examina as transformações que moldaram a intimidade entre o fim do século XVIII e o início do XX. Sob a organização de Michelle Perrot, e a direção geral de Philippe Ariès e Georges Duby, o livro descreve como o Ocidente passou a definir a privacidade como espaço de recuo, de individualidade e, ao mesmo tempo, de disciplina.


A Revolução Francesa havia proclamado os direitos do homem, deslocando o indivíduo do anonimato da ordem feudal para a condição de sujeito autônomo.

Mas, na prática, essa emancipação foi rapidamente regulada por novas instituições — o Estado liberal, o direito civil, a moral burguesa e a industrialização nascente. A vida privada, portanto, não é simplesmente um refúgio da modernidade: é um de seus produtos mais complexos e contraditórios.


Capítulo I – A Revolução e a Invenção da Intimidade Moderna


A Revolução Francesa redesenhou os contornos da esfera pública e obrigou a redefinir a esfera privada. O cidadão é agora o indivíduo dotado de direitos, mas sua liberdade se realiza num espaço doméstico que deve espelhar a moral e a racionalidade do novo regime.


O lar converte-se em emblema da ordem civil. As virtudes da domesticidade — sobriedade, decoro, afeto — tornam-se valores cívicos. Assim, o privado não é o oposto do público, mas sua extensão moral.


“O lar torna-se o santuário da cidadania; o pai de família, o pequeno soberano da sua república doméstica.”— (Michelle Perrot)


Capítulo II – O Código Civil e a Autoridade Doméstica


O advento do Código Civil napoleônico (1804) institui juridicamente a vida privada moderna. O poder paterno é reafirmado; a mulher, tutelada; os filhos, subordinados à autoridade familiar. O espaço íntimo torna-se também espaço de hierarquia.


A lei ordena os papéis e define os limites da liberdade individual no interior da casa. O público invade o privado sob a forma de legislação, regulando o casamento, a herança, a filiação e os deveres conjugais.


“A família burguesa é a célula moral do Estado: nela se aprende a obediência, a economia e o respeito às normas.”— (Michelle Perrot)


Capítulo III – O Sentimento e a Cultura da Intimidade


O século XIX é, por excelência, o século do sentimento. Diários, correspondências, romances e confissões tornam-se o laboratório da subjetividade moderna.

A literatura sentimental não apenas expressa afetos: ela os educa. O amor, a amizade, a piedade e a tristeza ganham linguagem, moldando uma sensibilidade burguesa voltada para a introspecção e o autocontrole.


A interioridade passa a ser cultivada como virtude moral, não como espontaneidade. O eu torna-se observador de si mesmo.


“A intimidade se escreve; o sentimento, para existir, deve ser narrado.”— (Michelle Perrot)


Capítulo IV – O Corpo e a Moral do Cotidiano


O corpo deixa de ser apenas veículo de prazer ou trabalho: torna-se objeto de vigilância, de higiene e de disciplina.


O século XIX é marcado pela moralização dos gestos cotidianos — dormir, comer, vestir-se, banhar-se. O pudor e a limpeza tornam-se valores sociais. A casa se divide em espaços especializados (quarto, banheiro, cozinha), delimitando fronteiras entre o corpo e o olhar alheio.


A cultura médica, a pedagogia e a religião convergem na fabricação de um corpo dócil e civilizado.


“A civilização da intimidade é, antes de tudo, uma pedagogia do corpo.”— (trecho de síntese do volume)


Capítulo V – O Espaço Doméstico e a Estética do Recolhimento


A arquitetura e o mobiliário traduzem a nova gramática da privacidade. O lar burguês organiza-se em torno da sala e do quarto — lugares de sociabilidade e de segredo.


O conforto, a decoração e a ordem passam a expressar não apenas o gosto, mas também o caráter. A casa torna-se extensão da alma; a mulher, sua guardiã simbólica.


“O lar é um espelho moral: sua harmonia reflete o equilíbrio das almas que o habitam.”— (Michelle Perrot)


Capítulo VI – Gênero, Sexualidade e Silêncio


O privado é também o terreno onde o poder se exerce de modo invisível. A mulher, confinada ao espaço doméstico, é exaltada como anjo do lar, mas excluída da cidadania e do trabalho público.


A sexualidade, medicalizada e moralizada, torna-se assunto de segredo e culpa. A distinção entre o feminino e o masculino estrutura toda a vida íntima. No entanto, é nesse espaço que surgem as primeiras contestações: o feminismo nascente e a reivindicação do direito ao prazer.


“Entre o amor e o dever, a mulher do século XIX vive o paradoxo de uma liberdade sonhada e vigiada.”— (Michelle Perrot)


Capítulo VII – O Privado em Tempos de Crise: a Guerra e o Mundo Industrial


A industrialização transforma a vida cotidiana. O tempo da fábrica invade o tempo da casa. O lar urbano se estreita, os papéis familiares se alteram, a infância e o lazer tornam-se questões sociais.


Com a Primeira Guerra Mundial, o íntimo é violentado pela história: famílias desfeitas, cartas do front, mulheres assumindo papéis públicos. A fronteira entre o privado e o coletivo, antes tão cuidadosamente erguida, dissolve-se na experiência da catástrofe.


“A guerra total destrói a casa; o mundo moderno nascerá entre ruínas domésticas.”— (Michelle Perrot)


Síntese Final

O quarto volume de História da Vida Privada mostra que a vida íntima moderna não é um refúgio, mas uma construção histórica.


O que chamamos de “privado” nasceu no cruzamento entre moral e poder, entre desejo e disciplina. A família burguesa, o lar organizado, o corpo educado e o sentimento narrado são expressões de um mesmo movimento: a domesticação da liberdade individual.


Essa história da intimidade é também a história de seus limites — do que se oculta, do que se cala e do que resiste ao olhar social.

“Toda sociedade inventa o seu segredo. O século XIX inventou o da intimidade.”— (Michelle Perrot)


ree

 
 
 

Comentários


Site de música

callerajarrelis electronic progressive music

callerajarrelis Electronic  Progressive Music

bottom of page