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A Origem do Gerente: Como o Capital Inventou uma Nova Camada de Poder

  • carlospessegatti
  • 27 de nov.
  • 4 min de leitura
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Do Taylorismo ao Capital Monopolista: o nascimento da gerência como instrumento de dominação e controle



"A administração científica não apenas reorganiza o trabalho: ela reorganiza o poder." — Harry Braverman


1. Introdução — Quando nasce o gerente?

A figura do gerente, tão naturalizada nas estruturas contemporâneas das empresas, não nasceu junto com o capitalismo mercantil nem com os primeiros artesãos assalariados. Ela é fruto de uma transformação histórica profunda: a transição do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista, e da fragmentação artesanal para a organização científica do trabalho.


Este post recupera o percurso dessa invenção — desde o laboratório ideológico de Frederick Winslow Taylor até a crítica devastadora de Harry Braverman, em Trabalho e Capital Monopolista. O objetivo é mostrar que o gerente não é apenas um cargo administrativo: trata-se de uma instituição do capital, criada para assegurar o controle sobre o trabalho, monopolizar o conhecimento e reproduzir a lógica sociometabólica da dominação.


2. Taylor e a “ciência” da subordinação

Em 1911, Taylor publica The Principles of Scientific Management. Sua tese é simples: o trabalhador, por natureza, desperdiça força e tempo; cabe ao capital criar um sistema disciplinar capaz de extrair o máximo de produtividade.

O que Taylor realmente inaugura é o divórcio estrutural entre pensar e fazer.


Em seus escritos:

  • o conhecimento do trabalho deixa de pertencer ao trabalhador;

  • o planejamento é capturado pela administração;

  • a execução é reduzida à obediência precisa.

Taylor não cria apenas um método: cria uma hierarquia epistemológica.


3. A grande mutação: o gerente como novo sujeito da produção

É aqui que Braverman entra, muitas décadas depois, para revelar as consequências históricas do taylorismo. Segundo ele, a gerência se torna o locus privilegiado da inteligência produtiva. A classe trabalhadora é despida de suas habilidades, e a administração assume o monopólio da concepção.


Trecho emblemático do argumento de Braverman:

“O controle do processo de trabalho, outrora exercido pelo trabalhador através de seu saber e de sua práxis, passa definitivamente às mãos da gerência, cuja função é transformar o tempo humano em matéria manipulável pela lógica do capital.”


O gerente nasce nesse processo de expropriação epistemológica.

Ele é:

  • mediador do capital,

  • administrador das rotinas,

  • vigilante das normas,

  • e garantidor do ritmo produtivo.


Não é um criador, mas um operador de uma lógica de controle.


4. Capital monopolista: quando a gerência se torna um sistema

Braverman mostra que, com o avanço da grande empresa e da organização burocrática, a gerência deixa de ser uma função isolada e se torna uma camada estruturante do capital.

A empresa moderna passa então a conter:

  • múltiplos níveis hierárquicos,

  • funções especializadas de planejamento,

  • departamentos dedicados à vigilância e medição,

  • e sistemas físico-técnicos que reforçam a disciplina.

A classe gerencial emerge como um poder administrativo total, que opera tanto no chão de fábrica quanto na esfera gerencial superior. É a institucionalização daquilo que Meszáros, décadas depois, chamará de aparelho sociometabólico do capital.


5. A lógica da separação: intelecto vs. execução

A grande tese de Braverman é que a separação entre concepção e execução se torna o princípio organizador do capitalismo moderno.

Para ele:

  • o capital se apropria do saber operário,

  • codifica esse saber em métodos, tabelas e protocolos,

  • centraliza o conhecimento na administração,

  • e devolve ao trabalhador apenas fragmentos do processo.

Esta separação, que pode parecer técnica, é profundamente política.

A gerência é o mecanismo que torna essa separação possível.


6. Para além da fábrica: o gerente como figura do capitalismo tardio

Hoje, a figura do gerente extrapola a produção industrial. Nas finanças, na educação, na saúde, no setor cultural, no Estado, nas ONGs — todos os espaços passam por uma gerencialização.

Isso acontece porque:

  • o capitalismo expandiu seu modo de funcionamento a todas as esferas;

  • a racionalidade instrumental foi naturalizada como critério de eficiência;

  • a administração tornou-se a forma dominante de mediação social.


O gerente do século XXI é, por assim dizer, o agente universal do capital.


7. A crítica marxista: o gerente como classe intermediária

Braverman não trata o gerente como uma “classe” no sentido marxista clássico, mas como uma camada intermediária — um grupo que não produz valor diretamente, mas garante sua extração. Sua função é assegurar a hegemonia do capital sobre o trabalho, mantendo a ordem e a disciplinarização.

Do ponto de vista da crítica do valor:

  • o gerente é um administrador da mais-valia;

  • sua autoridade deriva do capital e não de qualquer saber emancipador;

  • sua existência depende da subordinação permanente do trabalhador.


8. O mundo contemporâneo: gerentes, algoritmos e o novo taylorismo digital

Hoje, a gerência não depende apenas de supervisores humanos: algoritmos, dashboards, métricas e IA criam um taylorismo automatizado, onde:

  • o controle é contínuo,

  • a medição é instantânea,

  • a vigilância é invisível,

  • e a disciplina é autoinduzida.


A figura do gerente se funde com sistemas de controle digital. Mas a estrutura continua a mesma: centralização do saber + fragmentação da execução.


9. A gerência como invenção política

O gerente não nasce da necessidade técnica, mas da necessidade política do capital de controlar o processo de trabalho. É uma figura histórica, contingente e ideológica — e não uma forma natural da organização humana.


Como nos lembra Braverman, por trás do discurso da eficiência está a apropriação do conhecimento, a subordinação do trabalhador e a reprodução da lógica de dominação.


O gerente é, em última instância, uma engrenagem do Leviatã produtivo moderno.

 
 
 

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