A REBELDIA VIROU DE DIREITA?
- carlospessegatti
- há 11 minutos
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Como o antiprogresismo e a incorreção política moldam um novo senso comum
(Análise completa do livro de Pablo Stefanoni)
“A rebeldia deixou de ser território exclusivo dos subalternos.”
“Ignorar as formas culturais da direita é perder o terreno onde se decide o próximo ciclo histórico.”
1. Apresentação Geral
O historiador e jornalista argentino Pablo Stefanoni parte de uma pergunta provocadora: a rebeldia — antes associada aos movimentos subalternos, contraculturais e emancipatórios — foi capturada pela direita?
Em A rebeldia virou de direita? Stefanoni examina como subculturas online, anticorreção política, antiprogresismo e narrativas de ressentimento moldam um novo terreno cultural que reorganiza o sentido comum contemporâneo.
A tese é clara: há uma transgressão que se tornou conservadora, e a esquerda não pode apenas ridicularizá-la — precisa compreendê-la.
2. Excertos curtos
“A incorreção política funciona como forma de revuelta antiprogresista.”
“A web passou de promessa revolucionária a pesadelo da contrarrevolução.”
3. RESUMO CAPÍTULO A CAPÍTULO
Introdução — A Pergunta que Reorganiza o Debate
Stefanoni abre o livro situando o terreno cultural: a rebeldia deixou de ser monopólio da esquerda. Movimentos que se apresentam como “anti-sistema” e “incorretos” reivindicam a bandeira da transgressão, transformando memes, ironia e indignação em energia política.
Capítulo 1 — Mutação das direitas: das margens ao centro
O autor percorre a genealogia das direitas, do conservadorismo clássico às vertentes híbridas contemporâneas: nacionalismos atualizados, neoliberalismo de choque, tecnolibertarismo, populismo digital. Mostra como setores da direita capturaram estéticas contestatórias, falando diretamente à frustração das classes médias e à desconfiança nas instituições.
Capítulo 2 — A incorreção política como arma cultural
Aqui surge o conceito-chave: a incorreção política como dispositivo de transgressão. Não é apenas grosseria, mas uma estratégia simbólica: usar o riso, o deboche e a provocação para deslegitimar agendas igualitárias e construir comunidades de ressentimento. A esquerda aparece, no imaginário dessa nova direita, como moralista — antissensual, sensível demais, intolerante ao humor.
Capítulo 3 — Subculturas on-line: memes, ironia e ressentimento
Stefanoni mapeia o subterrâneo digital: fóruns, chans, podcasts, influencers, subculturas meméticas. Esses espaços funcionam como fábricas de sentido, capazes de produzir narrativas rápidas e virais. O autor analisa como o ressentimento se estetiza e como a moralização anti-“vítima” torna-se força agregadora.
Capítulo 4 — As novas famílias ideológicas da direita
Um dos capítulos mais densos.Stefanoni descreve formas ideológicas híbridas:
paleolibertários,
nacionalistas identitários,
ecofascismos,
tecnoutopias autoritárias,
anarco-capitalistas,
direita memesfera.
A rebeldia aqui assume uma estética provocadora, juvenil, veloz — mas ancorada num horizonte político conservador, individualista e antissolidário.
Capítulo 5 — O que a esquerda deve fazer?
O diagnóstico final é um chamado estratégico:
recuperar linguagem simbólica,
disputar o humor,
entender a estética digital,
reconstruir narrativas de futuro que respondam às ansiedades que hoje nutrem a adesão às direitas.
Stefanoni sustenta que a esquerda precisa voltar a comunicar imaginação e esperança, sem ceder ao moralismo e sem abdicar da crítica estrutural.
4. ANÁLISE CRÍTICA
Stefanoni tem méritos decisivos:
trata a direita não apenas como força eleitoral, mas como fenômeno cultural,
observa como a internet redefiniu o conceito de rebeldia,
evidencia a dimensão estética que eu entendo tão bem — a disputa simbólica.
Por outro lado, alguns limites:
a obra é ensaística, faltando aprofundamento sociológico das bases materiais que sustentam essas subculturas;
uma abordagem mais marxista exigiria analisar como o capital se apropria da estética da transgressão para perpetuar sua hegemonia.
Mesmo assim, o livro cumpre o papel de alarme cultural: Se a rebeldia foi capturada, como reconquistá-la? A resposta exige imaginação estética, crítica da economia política e reconstrução do horizonte utópico.
5. COMO ESTE LIVRO DIALOGA COM A MINHA OBRA?
Para mim, que crio música futurista, pós-apocalíptica e conceitual, este livro abre várias frentes artísticas:
sons da contrarrevolução digital (drones, texturas corrosivas, paisagens irônicas);
peças que explorem o imaginário da rebeldia sequestrada;
criações que revelem o vazio da transgressão meramente performática;
harmonias que proponham insurgências reais — criativas, afetivas, emancipatórias.
O livro é mais ferramenta estética do que política: um laboratório.
6. BIBLIOGRAFIA ANOTADA EXPANDIDA
(Obras para ampliar o debate)
Pablo Stefanoni — A rebeldia virou de direita?
Leitura-base. Mostra como a estética da provocação foi capturada por setores conservadores.
Angela Nagle — Kill All Normies
Obra seminal sobre subculturas digitais, 4chan, memes, misoginia e ressentimento. Explica como comunidades liminares incubaram a alt-right.
Christian Dunker — A psicose na política
Análise brasileira sobre afetos, ressentimentos e a performatividade das novas direitas.
Mark Fisher — Realismo Capitalista
Fundamental para compreender por que a rebeldia perdeu força emancipatória e tornou-se, muitas vezes, mercadoria cultural.
Richard Seymour — The Twittering Machine
Discussão profunda sobre como plataformas digitais moldam subjetividades, afetos e discursos de ódio.
Wendy Brown — Nas ruínas do neoliberalismo
Explica como o neoliberalismo produz subjetividades autoritárias, ressentidas e hostis à igualdade.
Pierre Dardot & Christian Laval — A Nova Razão do Mundo
Obra essencial para compreender como o neoliberalismo se converteu em forma de vida, moldando comportamentos e imaginários.
Byung-Chul Han — Psicopolítica
Uma abordagem filosófica da sociedade da performance e da manipulação emocional no capitalismo de dados.
Eric Sadin — A humanidade aumentada / A era do indivíduo tirano
Reflexões sobre tecnologia, individualismo extremo e a dissolução dos vínculos sociais.
Evgeny Morozov — Big Tech: a ascensão dos dados e a morte da política
Crítica da tecnologia corporativa e de sua captura das formas de subjetivação.
Outros artigos e estudos relevantes
Estudos sobre a "alt-tech" e ecologias de mídia paralelas.
Pesquisas sobre radicalização digital em plataformas brasileiras.
Artigos sobre estética da transgressão na era do neoliberalismo tardio.
Investigações marxistas sobre o ressentimento como força política.
FECHO
A rebeldia virou de direita? é um livro breve, incisivo e profundamente útil para entender o ciclo cultural que define o presente.
Para quem, como eu, que cria arte que dialoga com ciência, filosofia e crítica da contemporaneidade, esta obra oferece um mapa precioso da disputa estética e simbólica de nosso tempo.
INVESTIGAÇÕES MARXISTAS SOBRE O RESSENTIMENTO COMO FORÇA POLÍTICA
1. István Mészáros — Estrutura Social e Formas de Consciência (vols. I e II)
Por quê é essencial? Mészáros analisa as formas de consciência produzidas pelo metabolismo do capital: alienação, frustração e ressentimento são efeitos estruturais, não psicológicos. Ele mostra como o ressentimento pode ser canalizado para posições conservadoras quando o horizonte emancipatório se debilita.
Ideia-chave:
o ressentimento surge quando a energia humana é bloqueada pelas relações sociais do capital e devolvida como autoculpabilização ou ódio ao outro.
2. Slavoj Žižek — Eles não sabem o que fazem e Bem-vindo ao deserto do real
Não é marxista clássico, mas marxista hegeliano freudiano.
Žižek explica como afetos negativos — inveja, ressentimento, gozo perverso — podem ser mobilizados por discursos de direita para organizar identidades hostis. Ele descreve como a ideologia “ensina a gozar” através do ódio.
Contribuição ao tema: entender como estruturas econômicas produzem subjetividades ressentidas.
3. Wendy Brown — Nas Ruínas do Neoliberalismo
Brown é marxista heterodoxa. Aqui ela mostra como o neoliberalismo gera indivíduos feridos, humilhados, despossuídos, afetivamente inclinados ao ressentimento autoritário.
Ponto alto: O ressentimento das classes desestruturadas não é irracional: é a resposta emocional à destruição de horizontes sociais.
4. Christian Dunker — Mal-estar, sofrimento e sintoma (leitura crucial para o Brasil)
Psicanalista lacaniano, mas alinhado a leituras marxistas da subjetividade.
Dunker explica como a nova configuração da desigualdade produz comunidades ressentidas, que se organizam politicamente a partir de feridas narcísicas e de humilhações sociais.
5. Paulo Arantes — O Novo Tempo do Mundo
Uma das obras mais profundas da teoria crítica brasileira. Arantes argumenta que vivemos num tempo de encolhimento do futuro, e isso produz formas de niilismo e ressentimento que retroalimentam o conservadorismo.
Tese central: Sem horizonte utópico, o ressentimento preenche o vácuo político.
6. Ruy Braga — A Rebeldia do Precariado
Braga analisa o precariado global e brasileiro e mostra como condições de trabalho precarizadas produzem angústia, raiva difusa e ressentimento — muitas vezes capturados por discursos reacionários.
Insight-chave: O ressentimento é o “ruído emocional” da exploração flexibilizada.
7. Enzo Traverso — As novas faces da direita e Melancolia de Esquerda
Traverso propõe uma leitura histórica do ressentimento:
como a direita o mobiliza para construir identidade
como a esquerda sofre uma melancolia política, transformando ressentimento em nostalgia ética.
Tese importante: Quando não há futuro, cresce o desejo de revanche.
8. Pierre Dardot & Christian Laval — Ce cauchemar qui n’en finit pas (ainda sem tradução)
O livro mostra como as subjetividades neoliberais — competitivas, feridas, culpabilizadas — geram ressentimentos usados para alimentar políticas autoritárias.
Categoria essencial: a “responsabilização” neoliberal multiplica afetos de fracasso, humilhação e ódio.
9. Axel Honneth — Luta por Reconhecimento (lido em chave marxista)
Embora Honneth seja associado à Escola de Frankfurt, sua teoria do reconhecimento é extremamente útil para compreender o ressentimento enquanto reação à negação de:
dignidade
estima social
pertencimento.
O ressentimento, aqui, é sintoma da luta bloqueada.
10. Frantz Fanon — Os condenados da terra
Embora não utilize a palavra “ressentimento” de modo sistemático, Fanon descreve como as experiências coloniais geram formas de ódio, raiva e agressividade que podem ser politizadas progressivamente ou destrutivamente.
Lição de Fanon: o ressentimento pode ser transformado em luta emancipatória — ou capturado por autoritarismos.
11. Michael Löwy — ensaios marxistas sobre romantismo e revolta
Löwy analisa como a “sensibilidade romântica ferida” pode se converter tanto em impulso emancipador quanto em ressentimento reacionário.
12. Análises marxistas brasileiras recentes sobre ressentimento (artigos)
Aqui alguns temas e autores recorrentes:
Jessé Souza — crítica à humilhação estrutural no Brasil.
Marília Moschkovich — ressentimento político nas periferias.
Estudos sobre bolsonarismo (Safatle, Schwarcz, Dunker).
Pesquisas marxistas sobre afetos e neoliberalismo (UFABC, USP, UFRJ).
Síntese
Esses autores convergem em três pontos:
o capitalismo tardio gera sujeitos feridos: precarizados, despossuídos, frustrados;
esses afetos negativos tornam-se energia política, podendo migrar tanto para revoltas emancipadoras quanto para movimentos reacionários;
a luta cultural contemporânea depende de compreender os afetos, não apenas estruturas — e isso inclui o ressentimento como força social moldável.




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