As Causas da Primeira Guerra Mundial e o Trauma da Alemanha Derrotada
- carlospessegatti
- 4 de set.
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O mundo à beira do abismo
A Primeira Guerra Mundial (1914–1918), conhecida à época como a "Grande Guerra", foi o resultado de uma complexa teia de alianças, rivalidades imperialistas, nacionalismos exacerbados e uma corrida armamentista sem precedentes. O estopim foi o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, em Sarajevo, no dia 28 de junho de 1914. No entanto, reduzir o conflito a esse evento seria uma simplificação: o atentado apenas acendeu a chama em um barril de pólvora que vinha sendo acumulado há décadas.
O sistema de alianças e a Tríplice Entente
No início do século XX, a Europa estava dividida em dois grandes blocos militares:
Tríplice Aliança: formada por Alemanha, Áustria-Hungria e Itália (embora a Itália, em 1915, tenha mudado de lado).
Tríplice Entente: composta por França, Rússia e Reino Unido, uma aliança mais flexível, mas eficaz diante da ameaça germânica.
A rivalidade colonial, principalmente entre Inglaterra e Alemanha, somada à tensão nos Bálcãs — região marcada pelo nacionalismo eslavo e pela decadência do Império Otomano —, criava uma atmosfera de instabilidade permanente.
Quando a Áustria-Hungria declarou guerra à Sérvia após o atentado de Sarajevo, a lógica das alianças foi acionada em efeito dominó: a Rússia defendeu a Sérvia, a Alemanha apoiou a Áustria, a França entrou em defesa da Rússia, e o Reino Unido, diante da invasão alemã à Bélgica, declarou guerra.
A entrada dos Estados Unidos
Os Estados Unidos, inicialmente neutros, entraram na guerra em 1917, motivados por fatores como:
os ataques de submarinos alemães a navios mercantes, inclusive o famoso caso do Lusitania;
o Telegrama Zimmermann, no qual a Alemanha tentou convencer o México a atacar os EUA;
o alinhamento político e econômico com a França e o Reino Unido, que já eram grandes parceiros comerciais.
A entrada norte-americana desequilibrou a balança em favor da Entente, fornecendo recursos financeiros, armamentos e tropas frescas, fundamentais para a vitória em 1918.
O fim da guerra e a Alemanha derrotada
A guerra terminou em 11 de novembro de 1918, com a Alemanha assinando o armistício. Mas o verdadeiro peso da derrota veio com o Tratado de Versalhes (1919), que impôs duríssimas condições:
pagamento de pesadíssimas reparações de guerra;
perda de territórios (Alsácia-Lorena para a França, colônias na África e no Pacífico, além de restrições territoriais no Leste europeu);
limitação do exército a 100 mil homens, sem tanques, aviação ou submarinos;
a famosa “cláusula da culpa”, atribuindo exclusivamente à Alemanha a responsabilidade pela guerra.
Essas medidas arrasaram a economia alemã e criaram um sentimento de humilhação coletiva que alimentaria, anos depois, a ascensão do nazismo.
O trauma humano e a leitura de Freud
Se a destruição material foi imensa, o impacto humano e psicológico foi ainda mais profundo. A guerra introduziu o uso sistemático de trincheiras, metralhadoras, gases venenosos e artilharia pesada, produzindo massacres sem precedentes. Estima-se que mais de 20 milhões de pessoas morreram, entre soldados e civis.
Os sobreviventes retornaram às suas casas devastados: mutilados, cegos, com transtornos que, na época, foram chamados de “neuroses de guerra” ou “choque de estilhaços” (shell shock). Era um sofrimento psíquico tão brutal que desafiava a compreensão da medicina e da psicologia de então.
O psicanalista Sigmund Freud, ao observar essa legião de veteranos traumatizados, escreveu textos fundamentais, como "Além do Princípio do Prazer" (1920), nos quais introduziu a ideia de uma compulsão à repetição ligada ao trauma e ao instinto de morte (Thanatos). Para Freud, o horror da guerra mostrava que a civilização não havia eliminado os impulsos destrutivos humanos, mas apenas os reprimira temporariamente.
A Primeira Guerra Mundial não foi apenas um conflito entre nações, mas uma catástrofe civilizatória. O sistema de alianças, o nacionalismo inflamado e a corrida imperialista arrastaram o mundo a uma carnificina inédita. A derrota da Alemanha e o peso do Tratado de Versalhes deixaram cicatrizes políticas profundas, enquanto o sofrimento dos soldados e civis revelou um lado sombrio da condição humana.
Freud, horrorizado, enxergou nesse trauma coletivo a prova de que a barbárie habita o coração da cultura. Assim, a Grande Guerra não apenas destruiu impérios, mas expôs, de forma crua, os limites da própria civilização moderna.
Quadro-Resumo
Causas da Guerra | Consequências para a Alemanha |
Nacionalismo exacerbado | Perda de territórios e colônias |
Imperialismo e disputas coloniais | Reparações financeiras pesadíssimas |
Corrida armamentista | Redução drástica do exército |
Sistema de alianças rígido | Cláusula de culpa exclusiva |
Tensões nos Bálcãs | Humilhação e ressentimento coletivo |
A herança do trauma: da Grande Guerra à contemporaneidade
O que a Primeira Guerra deixou não foi apenas destruição material, mas uma cicatriz coletiva que se estendeu para o século XX e ainda ecoa no XXI. O sofrimento psíquico dos veteranos abriu caminho para o estudo moderno do transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), hoje associado não só a soldados, mas também a vítimas de catástrofes, violência urbana e desastres humanitários.
O trauma da Grande Guerra revelou que a guerra nunca termina no campo de batalha, mas continua a habitar a mente dos sobreviventes.
Nos conflitos atuais — seja no Oriente Médio, na Ucrânia ou em outras zonas de guerra —, repetem-se os sintomas observados por Freud: pesadelos, lembranças intrusivas, ansiedade e a incapacidade de reintegrar-se plenamente à vida civil.
A lição deixada pela Grande Guerra é clara: a destruição humana não se encerra com tratados, mas permanece viva no corpo e no espírito de quem sobrevive.
Assim, o horror que Freud diagnosticou em 1920 continua atual. A guerra, enquanto fenômeno da civilização, mostra que a barbárie e a pulsão de morte não pertencem ao passado, mas ainda rondam o presente.



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