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Entre Céu, Terra e Morte: O Imaginário Medieval em Le Goff, Ariès e Duby

  • carlospessegatti
  • 19 de set.
  • 4 min de leitura
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O nascimento do Purgatório, as visões da morte, da infância e da família e as estruturas sociais do Ocidente Medieval


O medievo europeu, tantas vezes interpretado apenas como um tempo de sombras e obscurantismo, revelou-se nas últimas décadas como um campo fértil de estudo histórico e cultural. Três grandes historiadores franceses — Jacques Le Goff, Philippe Ariès e Georges Duby — mergulharam profundamente nesse universo, revelando camadas complexas do imaginário, das práticas e das sensibilidades da Idade Média. Suas obras não apenas desconstroem preconceitos sobre o período, como iluminam as bases sobre as quais se ergueu a civilização ocidental.


Jacques Le Goff: O Purgatório e os Intelectuais na Cristandade

Em O Nascimento do Purgatório, Le Goff mostra como, entre os séculos XII e XIII, emergiu a ideia de um "terceiro lugar" entre o Paraíso e o Inferno. O Purgatório, fruto da mentalidade escolástica e das práticas pastorais, foi a resposta da Igreja a uma nova demanda espiritual: a de conciliar a misericórdia divina com a justiça.


“O Purgatório é a invenção de uma sociedade que passa a conceber a salvação não apenas como um julgamento final, mas como um processo em que a solidariedade entre vivos e mortos se torna essencial.” — Jacques Le Goff


Em A Civilização do Ocidente Medieval, Le Goff revela a Igreja como grande organizadora da vida social e cultural. Já em Os Intelectuais na Idade Média, ilumina o nascimento das universidades e da nova elite de mestres e clérigos, que lançariam as bases do pensamento europeu moderno.


“O intelectual medieval é um homem entre dois mundos: enraizado na fé e aberto à razão, mediador entre a tradição e a inovação.” — Jacques Le Goff


Philippe Ariès: A Morte, a Criança e a Família no Imaginário Social

Se Le Goff expõe a arquitetura espiritual e intelectual do Ocidente medieval, Ariès mergulha nas sensibilidades. Em História da Morte no Ocidente, mostra a transformação da morte: no medievo, pública e comunitária; na modernidade, silenciosa, escondida e hospitalar.


“Durante séculos, o homem não morria sozinho: sua morte era um espetáculo comunitário, acompanhado por olhares, orações e presenças.” — Philippe Ariès


Já em História Social da Criança e da Família, Ariès demonstra que a infância, tal como concebemos hoje, é uma invenção moderna. Na Idade Média, a criança era um “adulto em miniatura”, integrada precocemente ao mundo adulto e ao trabalho.


“A infância é uma invenção moderna: no passado, o menino não era senão um homem pequeno, lançado prematuramente ao mundo dos adultos.” — Philippe Ariès


Georges Duby: A Estrutura das Ordens e a Batalha de Bouvines

Enquanto Le Goff e Ariès exploram o imaginário e as sensibilidades, Georges Duby analisa as estruturas sociais e os acontecimentos que marcaram o Ocidente medieval. Em As Três Ordens: O Imaginário do Feudalismo, Duby descreve a divisão simbólica da sociedade: os que oram (clero), os que combatem (nobreza) e os que trabalham (camponeses). Essa tríade legitimava a ordem feudal e sustentava a hierarquia medieval.


“A sociedade medieval se representava dividida em três funções: a oração, a guerra e o trabalho. Esta tripartição, longe de ser real, foi um mito que serviu de fundamento à ordem estabelecida.” — Georges Duby


No livro Guerreiros e Camponeses, Duby evidencia a tensão permanente entre a elite militar e o campesinato, cuja força de trabalho sustentava a sociedade feudal.


Já em O Domingo de Bouvines, analisa em profundidade a célebre batalha de 1214, transformando um único acontecimento em janela para entender mentalidades, poderes e símbolos do medievo.


“A Idade Média não é apenas um passado distante; é um espelho no qual ainda se refletem nossos medos, esperanças e modos de viver.”


“O intelectual medieval é um homem entre dois mundos: enraizado na fé e aberto à razão, mediador entre a tradição e a inovação.” — Jacques Le Goff


“Durante séculos, o homem não morria sozinho: sua morte era um espetáculo comunitário, acompanhado por olhares, orações e presenças.” — Philippe Ariès


“A infância é uma invenção moderna: no passado, o menino não era senão um homem pequeno, lançado prematuramente ao mundo dos adultos.” — Philippe Ariès


"A batalha de Bouvines não foi apenas um episódio militar, mas um rito coletivo que moldou a memória e a identidade política do Ocidente.” — Georges Duby


Convergências e Reflexões

O diálogo entre Le Goff, Ariès e Duby mostra que a Idade Média não pode ser reduzida ao estereótipo de “idade das trevas”. Pelo contrário, ela foi o laboratório onde se forjaram as sensibilidades, os sistemas sociais e as estruturas intelectuais do Ocidente.

  • Le Goff revela como o Purgatório e os intelectuais cristãos moldaram a espiritualidade e a cultura.

  • Ariès mostra como a morte e a infância foram reinventadas ao longo dos séculos.

  • Duby destaca as estruturas sociais, os conflitos e os rituais coletivos que organizaram a vida medieval.

Juntos, eles nos ensinam que o medievo foi simultaneamente um tempo de invenções espirituais, sociais e sensíveis, cujos ecos ainda ressoam em nossa contemporaneidade.


Quadro-Resumo Comparativo

Eixo Temático

Jacques Le Goff

Philippe Ariès

Georges Duby

Espiritualidade e Imaginário

O Purgatório como invenção e economia da salvação.

A morte como espetáculo público no medievo, depois íntima na modernidade.

A tríplice divisão social: oratores, bellatores, laboratores.

Sociedade e Estruturas

A Igreja como eixo organizador da civilização ocidental.

A família medieval era comunitária e funcional, distinta da moderna.

Relação entre guerreiros e camponeses; análise das hierarquias feudais.

Intelectualidade e Cultura

Formação das universidades e dos intelectuais como nova elite cultural.

Concepção moderna da infância como invenção cultural.

A memória coletiva forjada por eventos como a Batalha de Bouvines.

Legado

O Purgatório e as universidades permanecem em nossa cultura.

Nossa visão da infância e da morte é fruto de longas transformações.

A noção de ordem social e legitimidade política ainda ecoa no presente.


 
 
 

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