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Gilles Deleuze — O Pensador do Movimento e do Devir - Entre a Filosofia, a Arte e o Caos Criador do Século XX

  • carlospessegatti
  • 24 de out.
  • 7 min de leitura
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“O que é preciso é criar. Não conservar, não recomeçar, mas criar algo novo.”Gilles Deleuze, Diálogos


1. O Contexto e o Espírito de uma Época

Gilles Deleuze (1925–1995) nasceu em Paris, em meio a uma Europa devastada pela Primeira Guerra e prestes a mergulhar no segundo grande conflito do século. O mundo vivia um colapso das certezas: a razão iluminista mostrava suas rachaduras diante da barbárie do século XX. Foi nesse cenário de crise, mas também de efervescência cultural e científica, que Deleuze desenvolveu uma filosofia do movimento, da diferença e do devir — um pensamento que se opõe à fixidez e ao pensamento identitário herdado da metafísica ocidental.


Influenciado por Nietzsche, Spinoza, Bergson e Foucault, Deleuze transformou a filosofia em uma experimentação estética e vital. Para ele, pensar era criar conceitos como um artista cria formas ou um músico cria sons — uma verdadeira “arte do pensamento”.


2. A Vida e o Projeto Filosófico

Deleuze viveu discretamente, mas sua obra se tornou um dos pilares do pensamento pós-estruturalista francês. Lecionou em universidades como Lyon e Vincennes e produziu textos que desafiaram as fronteiras entre filosofia, literatura, arte, cinema e política.


Sua trajetória pode ser dividida em dois momentos:

  • O período monográfico, em que escreveu sobre grandes filósofos — Nietzsche, Spinoza, Kant, Hume, Proust, Bergson — reinterpretando-os sob a ótica da diferença e da potência criadora.

  • O período da criação conceitual, especialmente a partir da parceria com Félix Guattari, quando sua filosofia se expandiu para campos como a esquizoanálise, a política, o desejo e as formas de subjetivação.


Deleuze não foi um filósofo do sistema, mas do fluxo. Sua filosofia não busca a verdade, mas o rizoma — imagem de um pensamento não hierárquico, múltiplo e rizomático, como as raízes subterrâneas de uma planta que se espalham em todas as direções.


3. Frases e Epígrafes do Pensamento Deleuziano

“Um conceito é uma máquina de guerra.” — O Que É a Filosofia?


“Não se trata de temer ou esperar, mas de buscar novas armas.” — Mil Platôs


“Pensar não é um exercício natural. É sempre um encontro violento com o fora.” — Diferença e Repetição


“A arte é o que resiste, mesmo que só seja um rosto, um gesto, uma canção.” — O Que É a Filosofia?


Essas frases condensam sua visão de mundo: pensar é resistir, é romper com os clichês, é inventar novas formas de existência.


4. Principais Obras e Ideias

• Diferença e Repetição (1968)

Uma de suas obras mais complexas, onde ele propõe uma filosofia da diferença em si mesma, sem referência a um modelo original. Deleuze questiona o pensamento representacional e propõe o movimento, o tempo e o devir como forças criadoras.

• Lógica do Sentido (1969)

Aqui, Deleuze mistura filosofia, literatura e psicanálise, dialogando com Lewis Carroll, os estóicos e Nietzsche. Ele analisa o “sentido” como uma superfície de acontecimentos, e não como uma profundidade oculta.

• Anti-Édipo (1972) — com Félix Guattari

Primeiro volume de Capitalismo e Esquizofrenia. Um ataque frontal à psicanálise freudiana e ao modelo edipiano. Deleuze e Guattari defendem o desejo como força produtiva, criadora, e não como carência. O capitalismo, para eles, captura e canaliza o desejo — mas este pode escapar, fluir, subverter.

• Mil Platôs (1980) — com Félix Guattari

A continuidade do projeto iniciado no Anti-Édipo. Um livro sem ordem linear, como um mapa rizomático. Nele, conceitos como rizoma, corpo sem órgãos e agenciamento se tornam ferramentas para pensar o mundo contemporâneo e suas redes de poder, comunicação e desejo.

• O Que É a Filosofia? (1991)

Sua obra tardia e talvez mais reflexiva. Aqui, Deleuze e Guattari perguntam sobre o próprio ato de filosofar e respondem: filosofar é criar conceitos. A arte cria perceptos e afectos, a ciência cria funções, e a filosofia cria conceitos — cada uma à sua maneira inventando mundos.


5. A Filosofia do Devir e da Criação

Em Deleuze, o pensamento é inseparável da vida. Ele vê o mundo como um campo de intensidades, uma multiplicidade em constante transformação.Contra toda forma de totalidade ou identidade, propõe o devir: tornar-se outro, transformar-se, escapar às formas fixas da representação.


Essa filosofia influenciou profundamente a arte contemporânea, a música eletrônica, o cinema e até mesmo a cibernética e a teoria das redes. Sua noção de rizoma, por exemplo, antecipa a lógica da internet e das conexões horizontais que definem o mundo atual.


“Cada pensamento é uma viagem, cada conceito um território novo.”


6. Legado e Influência

Deleuze foi uma das vozes mais singulares do século XX. Sua obra ecoa hoje em campos tão diversos quanto a biopolítica, os estudos culturais, a teoria da arte e a filosofia da tecnologia. Ao recusar as estruturas fixas e abraçar a multiplicidade, ele antecipou o espírito líquido e mutante do nosso tempo.


Em 1995, após anos de sofrimento com uma doença pulmonar grave, Deleuze se lançou pela janela de seu apartamento em Paris. Sua morte, embora trágica, não foi o fim de um pensamento, mas a continuidade de um gesto: o mergulho no infinito da diferença.


Epílogo

“Há sempre uma linha de fuga. É preciso encontrá-la.”— Gilles Deleuze

A filosofia de Deleuze continua a nos inspirar a buscar essas linhas — os caminhos que escapam à norma, ao poder, à repetição do mesmo.Sua obra é um convite à invenção: inventar modos de viver, de criar e de pensar que afirmem a potência da vida em meio ao caos do mundo.


Palavras-chave: Gilles Deleuze, Filosofia Contemporânea, Pós-estruturalismo, Rizoma, Diferença, Devir, Criação, Félix Guattari, Pensamento Francês, Arte e Filosofia


ANÁLISE DETALHADA — Capitalismo e Esquizofrenia (Deleuze & Guattari)

Panorama geral


Capitalismo e Esquizofrenia é um projeto em dois volumes que transforma radicalmente a maneira de pensar desejo, subjetividade e instituições. Ao invés de ler o desejo como falta (psicanálise freudiana), Deleuze & Guattari o concebem como produção — uma força que constrói maquinarias sociais e subjetividades.


O capitalismo, por sua vez, é lido como um sistema que capta, codifica e recodifica essas máquinas de desejo, produzindo novas formas de dominação e subjetivação.


Anti-Édipo (1972) — principais pontos

1. Crítica ao modelo edipiano

  • A família nuclear edipiana funciona como principal aparelho que reduz o desejo a relações familiares e patologias individuais.

  • O complexo de Édipo é, para D&G, uma idealização repressiva que serve a instituições sociais (família, clínica, Estado, produção).

2. Desejo como produção

  • Desiring-machines (máquinas desejantes): o sujeito é composto de máquinas que conectam fluxos—energia, imagens, signos.

  • Desejo = produção real; não falta a ser preenchida. Desejo produz realidades e máquinas sociais.

3. Linha do esquizo (esquizoanálise)

  • A figura do esquizo (não o psicótico como etiqueta clínica, mas um procedimento de análise): liberar fluxos de desejo, mapear conexões e resistências.

  • Esquizoanálise propõe desmontar as formas de captura edipiana e abrir as máquinas desejantes.

4. Capitalismo e desejo

  • Capitalismo funciona como grande máquina de codificação: canaliza e valoriza o desejo, transformando-o em mercadoria.

  • Mas o capitalismo também produz linhas de fuga — heterogeneidades que podem gerar resistência.

5. Características metodológicas

  • Estilo aforístico, misto de filosofia, crítica política e subversão clínica.

  • Uso de metáforas mecânicas e industriais para compreender subjetividade.


Mil Platôs (1980) — principais pontos

1. Estrutura rizomática

  • O livro é composto por "platôs", não capítulos lineares. Isto já é uma prática: reproduz o conceito.

  • Rizoma: modelo de conexão horizontal, sem começo nem fim, oposição à árvore arborescente (hierarquia, origem).

2. Conceitos chave

  • Corpo sem Órgãos (CsO): superfície de intensidades que evita organização hierárquica — espaço de possibilidades.

  • Deterritorialização/Reterritorialização: processos por que fluxos escapam a um território e são recapturados; fundamentais para entender mudanças sociais.

  • Agenciamento (assemblage): conjunto heterogêneo que funciona como unidade (humanos, tecnologias, signos).

  • Facialidade: modo de codificar sujeitos por rostos e identidades; técnica de captura subjetiva.

  • Smooth vs Striated Space: espaços contínuos (livres) vs espaços organizados e segmentados.

3. Política e microfísicas

  • Em vez de centrar a política nas estruturas macro (Estado, classe), D&G atacam as microfísica do poder: como o poder opera em níveis mínimos de recodificação da vida cotidiana.

  • Essas microestratégias são também locais de resistência.

4. Estética do pensamento

  • Mil Platôs institui um vocabulário que permite pensar processos complexos: multiplicidades, linhas de fuga, máquinas de guerra (não necessariamente militares), etc.


Interpretação conjunta: como os dois volumes se articulam

  • Anti-Édipo realiza a crítica e exorciza o fetiche edipiano; Mil Platôs oferece ferramentas para pensar a multiplicidade e as formas concretas de organização e resistência.

  • Juntos, formam uma crítica tanto à psicanálise quanto ao esquematismo marxista; apontam para uma análise do capitalismo que atravessa a produção, a subjetividade e as formas técnicas.


Leituras conceituais fundamentais (com definições curtas)

  • Desiring-machines: redes produtivas do desejo; conectam corpos, objetos, linguagem.

  • Corpo sem Órgãos (CsO): superfície onde circulam intensidades, contra a estratificação orgânica.

  • Rizoma: modelo de organização não-hierárquico, não-linear.

  • Deterritorialização: soltura de fluxos de um terreno; Reterritorialização: reencaixe desses fluxos.

  • Assemblage (Agenciamento): arranjo heterogêneo que produz efeitos.

  • Máquina de guerra: dispositivo de fuga e criação, não obrigado a conotação militar literal.

  • Facialidade: técnica histórica de codificação e subjugação via rosto/identidade.

  • Mapa vs. Traçado (Tracing): mapear é criar instrumentos de exploração; traçar visa reproduzir modelos (D&G preferem o mapa flexível).


Críticas importantes e limites

  1. Densidade e obscuridade: estilo muitas vezes hermético, metáforas que confundem.

  2. Ambiguidade política: enquanto alguns celebram a potência revolucionária, outros apontam falta de proposta programática sólida.

  3. Uso controverso de termos clínicos: preocupação ética/epistemológica (psicopatologia e linguagem filosófica se misturam).

  4. Possível romantização do “devir”: risco de subestimar coerção estrutural (economia, Estado) ao focar microfísica.


Legado e relevância contemporânea

  • Forte influência em estudos culturais, teoria dos afetos, design de redes, estudos de tecnologia e arte experimental.

  • Conceitos como deterritorialização e assemblage úteis para analisar capitalismo digital, plataformas e fluxos de dados.

  • Para minhas pesquisas musicais, a obra oferece mapa conceitual para pensar produção de som como política, tecnologia como chassis de subjetivação e composição como experiência rizomática.


Sugestão de leitura guiada (passo a passo)

  1. Comece por textos introdutórios sobre esquizoanálise (resumos curtos).

  2. Leia Anti-Édipo em sessões temáticas: primeiro a crítica ao Édipo, depois a proposta de desejo como produção.

  3. Aborde Mil Platôs por platôs — não linearmente; escolha temas (rizoma; CsO; deterritorialização).

  4. Releia trechos com exemplos práticos (arte, música, tecnologias digitais).


Conclusão curta

Capitalismo e Esquizofrenia é tanto uma teoria crítica quanto um manual de invenção: critica as formas de captura do desejo e propõe conceitos para produzir e articular novas formas de vida e criação. É denso, impreciso às vezes, mas fecundo — perfeito para um músico-filósofo como você que busca traduzir ciência, estética e política em experimentos sonoros e teóricos.



 
 
 

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