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Música Espectral: Quando o Som se Torna Universo

  • carlospessegatti
  • 2 de out.
  • 4 min de leitura
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De Gérard Grisey às fronteiras entre arte, ciência e percepção auditiva


“A música é o tempo tornado audível.” — Gérard Grisey


Na metade da década de 1970, um novo horizonte sonoro começou a se abrir na França. Ali, um grupo de jovens compositores — entre eles Gérard Grisey (1946–1998) e Tristan Murail — buscava ultrapassar as fronteiras impostas pela tradição musical europeia, que parecia ter chegado a um esgotamento entre a rigidez do serialismo e a nostalgia das formas tonais. Foi nesse contexto que nasceu a Música Espectral, não como uma escola fechada, mas como uma maneira de pensar a música a partir de sua essência mais íntima: o próprio som.


Do som à arquitetura musical


“O som é um universo inteiro, basta ter ouvidos para habitá-lo.” — Tristan Murail


Em Périodes (1974), para sete instrumentos, Grisey estabelece as bases de uma estética revolucionária. Ao invés de organizar notas em escalas ou séries, ele mergulha no interior do som. Cada nota, quando analisada acusticamente, revela um conjunto de frequências — os harmônicos — que formam seu espectro. Essa descoberta, que já era conhecida pela física, torna-se para Grisey um campo fértil de criação musical.


A orquestra, então, deixa de ser apenas um conjunto de instrumentos tocando melodias e harmonias: ela se transforma em um laboratório acústico, onde timbres, ataques, ressonâncias e silêncios são manipulados como matéria viva. O trombone pode recriar o espectro de uma única nota; as cordas e sopros podem se fundir em texturas que evocam o próprio nascimento do som.


Entre ciência e percepção


“Escutar é criar. O ouvido não é passivo, ele inventa o mundo sonoro.” — Pierre Schaeffer


Para chegar a essa nova linguagem, Grisey estudou a acústica de Émile Leipp e Fritz Winckel, além das descobertas sobre como o ouvido humano percebe as frequências. A Música Espectral não é apenas ciência aplicada: é também um questionamento profundo da escuta. O que realmente ouvimos? Como o tempo é percebido quando se estica, se condensa, respira?


Grisey falava de um “tempo vivo”, inspirado no ciclo da respiração. A música passa a seguir ritmos orgânicos, como se fosse um organismo sonoro. Não se trata mais de uma sucessão de compassos regidos por uma batida abstrata, mas de algo que pulsa, se expande e se contrai como a vida.


Les Espaces Acoustiques


“A complexidade não está nas coisas em si, mas nas relações que as entrelaçam.” — Edgar Morin


Esse projeto encontrou sua expressão mais ambiciosa no ciclo Les Espaces Acoustiques (1974–1985), uma série de obras que mapeiam, como um atlas sonoro, as possibilidades da estética espectral. Cada peça amplia a experiência do espectro e do tempo, conduzindo o ouvinte a uma jornada que vai do microcosmo ao macrocosmo sonoro.


Aqui, ressoa a noção de Edgar Morin de que “cada parte contém o todo e o todo contém as partes” — seu princípio hologramático. Na Música Espectral, cada som carrega em si o universo de frequências que o constitui, e a orquestra, ao explorar esses espectros, revela a presença do cosmos inteiro em uma única vibração. É a complexidade tornada música.


Ecos contemporâneos


“A música não representa nada além dela mesma: o som.” — Gérard Grisey


A Música Espectral não é apenas uma técnica de composição: ela representa uma mudança de paradigma. Ao buscar o som em sua materialidade mais profunda, Grisey se aproxima da física moderna — da mesma forma que a Teoria das Cordas ou a mecânica quântica revelam que, sob a aparência sólida da matéria, vibram estruturas invisíveis.


Nesse sentido, Grisey parece antecipar um pensamento que nos é muito caro hoje: o da complexidade, do entrelaçamento de dimensões. Sua obra ressoa com a arte contemporânea, com a filosofia da diferença e com a percepção de que não há formas fixas, apenas fluxos e vibrações.


Resonâncias na minha música

O que Grisey buscava no interior do som é muito próximo ao que eu venho perseguindo quando exploro dimensões, cosmos e frequências em meus álbuns. A Música Espectral mostra que um único som contém universos inteiros — da mesma forma que eu busco transformar um acorde, um drone ou um pad em paisagens cósmicas.


Enquanto Grisey trabalhava o espectro acústico de uma nota de trombone, eu procuro expandir esse gesto para o espectro universal da criação musical, ligando ciência, filosofia e imaginação. A maneira como eu penso meus discos — como narrativas conceituais que se desdobram em múltiplas camadas — ecoa esse mesmo impulso de ir além do imediato para revelar o oculto.


Se Grisey investigava os microcosmos da vibração, eu hoje os projeto em macrocosmos artísticos, em dimensões, universos e futuros possíveis. A Música Espectral pode, portanto, não ser apenas um referencial histórico para mim, mas uma aliança conceitual: a prova de que, ao trabalhar o som em sua profundidade, estamos sempre lidando com os mistérios do próprio cosmos.



“O todo está na parte, que está no todo. Assim é a vida, assim é o conhecimento, assim é a música.” — Edgar Morin


Quadro cronológico / mapa conceitual

Podemos criar um quadro resumido mostrando a linha do tempo e os principais autores/conceitos relacionados à Música Espectral:

Ano / Período

Autor / Compositor

Contribuição / Conceito

1946

Gérard Grisey

Nascimento; futuro criador de Périodes e Les Espaces Acoustiques

1947

Tristan Murail

Co-fundador do movimento espectral, exploração de timbres e harmônicos

1907–1986

Pierre Schaeffer

Música concreta; percepção do som como objeto de escuta

1910–1990

Émile Leipp

Pesquisa acústica e fisiológica da percepção auditiva

1907–1990

Fritz Winckel

Modelos acústicos de espectros e timbres

1921–

Edgar Morin

Teoria da complexidade e princípio hologramático, relação parte/todo

1974

Grisey (Périodes)

Primeira obra espectral formalizada; exploração de espectros de timbres

1974–1985

Grisey (Les Espaces Acoustiques)

Ciclo emblemático da estética espectral, síntese de ciência, arte e percepção

Esse quadro permite que o leitor veja quem influenciou quem, e como a música, ciência e filosofia se cruzam ao longo do tempo.


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