O Deus da Idade Média - Conversas com Jacques Le Goff
- carlospessegatti
- 19 de nov.
- 4 min de leitura

Imagens, práticas e funções do Divino na civilização medieval
Epígrafes
“De quel Dieu est-il question au Moyen Âge ?” — Jacques Le Goff.
“A história de Deus é um espelho da sociedade que o inventa.” — (epígrafe de leitura: síntese da proposta historiográfica de Le Goff).
Excertos (curtos, selecionados)
“De quel Dieu est-il question ?” (pergunta-guia da obra).
“La Vierge et l’Esperit saint: deux figures qui structurent la religiosité médiévale.” (resumo sintético de um dos tópicos tratados).
(Os excertos acima são curtos e retirados do índice/trechos identificáveis do livro; para citações longas recomendo referir à edição traduzida de 2007/2013 da Civilização Brasileira).
Informação bibliográfica essencial
Jacques Le Goff, O Deus da Idade Média: conversas com Jean-Luc Pouthier. Tradução: Marcos de Castro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira (edições diversas; edição brasileira disponível desde 2007/2013).
Resumo geral
Em formato de entrevistas e conversas, Jacques Le Goff — um dos maiores historiadores da Idade Média da escola dos Annales — propõe uma “história de Deus”: não a teologia abstrata, mas as imagens, práticas, representações e funções sociais atribuídas ao Divino no Ocidente medieval. A obra busca responder qual Deus é pensado pelos homens e mulheres medievais, como a Trindade, a Virgem, o Espírito Santo e a figura de Cristo se integram à vida social, política, artística e simbólica daquele longo período.
Sumário comentado dos capítulos / blocos temáticos
(O livro tem formato de entrevista com blocos temáticos — abaixo, os tópicos listados no índice e um resumo interpretativo de cada um.)
1. “Deus sujeito de história”
Le Goff parte da hipótese de que Deus pode ser objeto de investigação histórica: isto é, as concepções de Deus mudam ao longo do tempo e revelam transformações sociais e culturais. O autor desloca a pergunta de “Deus existe?” para “Que Deus?” — buscando as representações coletivas e institucionais.
2. “De qual Deus estamos falando?” (De quel Dieu est-il question ?)
Explora as múltiplas imagens de Deus na Idade Média (Deus juiz, Deus criador, Deus paternal, Deus majestático, etc.) e como essas imagens coexistem e se tensionam — especialmente entre clero, teólogos e piedade popular. Le Goff mostra a pluralidade iconográfica e conceitual do Divino.
3. “Duas figuras centrais: o Espírito Santo e a Virgem”
Analisa a emergência e o lugar singular da Virgem Maria e do Espírito Santo na religiosidade e devoção medieval, demonstrando como esses elementos estruturam práticas litúrgicas, festas, arte e intermediação com o sacro. Le Goff destaca a relevância do culto mariano e sua presença massiva na vida cotidiana.
4. “Dogma, teologia e imaginação popular”
Discute o diálogo (nem sempre harmônico) entre teologia oficial e crenças populares, mostrando espaços de convergência (relicários, santas, peregrinações) e tensões (heresias, interpretações heterodoxas). A história do sagrado como campo de confronto simbólico e negociação social.
5. “Deus e a ordem social”
Mostra como a figura de Deus legitima instituições: o direito divino, os rituais de poder (sacramento do rei, coroações), e as práticas que naturalizam hierarquias; simultaneamente, Le Goff trata de como as esperanças escatológicas ou milenaristas podem desestabilizar ordens estabelecidas.
6. “Imagens, liturgias e iconografia”
Le Goff argumenta que a iconografia e a liturgia moldam as representações de Deus: desde as catedrais, esculturas e iluminuras até as formas discursivas que circulam entre clericalidade e leigos — todas elas constituem modos de ‘ver’ e ‘pensar’ o Divino.
7. “Conclusões: um Deus plural e histórico”
O autor conclui que não há um único ‘Deus medieval’, mas múltiplos Deuses construídos por práticas sociais, imaginação religiosa e instituições: a história do divino é uma chave para entender a sociedade medieval como um todo.
Análise detalhada
1. Método e perspectiva historiográfica
Jacques Le Goff aplica aqui a sua conhecida abordagem cultural e social: interessando-se menos pelas ‘grandes doutrinas’ abstratas e mais pelos modos concretos em que Deus é imaginado, representado e utilizado politicamente.
A entrevista com Pouthier funciona como um diálogo que torna acessível ao leitor acadêmico e leigo uma síntese dos temas centrais da historiografia medieval contemporânea. Essa opção metodológica ilumina as práticas cotidianas (liturgias, festas, relicários) como fontes tão relevantes quanto os tratados teológicos.
2. Originalidade e contribuições
A originalidade do livro está na conversão de uma questão teológica em problema histórico: Le Goff desmistifica a ideia de uma homogeneidade religiosa medieval e expõe a pluralidade e a historicidade das imagens de Deus. Para pesquisadores e leitores interessados em teoria cultural, a obra serve como um manual sintético sobre como abordar o sagrado a partir de práticas sociais, imagens e discursos.
3. Forças do texto
Clareza expositiva: linguagem de diálogo que facilita a compreensão sem perda de densidade conceitual.
Amplitude temática: cobre teologia, liturgia, iconografia, política e devoção popular.
Relação teoria-fonte: Le Goff intercala análise interpretativa com referências concretas (textos, imagens, rituais).
4. Limitações e questões abertas
Profundidade analítica em alguns temas: o formato de entrevista exige síntese; leitores que busquem estudos monográficos aprofundados sobre, por exemplo, joachimismo, peregrinações ou teologia trinitária poderão desejar obras mais longas e especializadas.
Foco eurocêntrico: como esperado, a obra trata do Ocidente cristão; comparações com tradições judaicas, islâmicas ou orientais aparecem apenas tangencialmente.
Data e recepção: embora atual no tratamento metodológico, é preciso ler Le Goff em diálogo com trabalhos mais recentes sobre religiosidade popular e mediações visuais (consulte pesquisas pós-2000 para atualizações).
5. Interesses práticos
Para leitores do meu blog interessados em música, ciência e teorização do contemporâneo: a leitura de Le Goff pode inspirar projetos artísticos que tratem o sagrado como imagem social — por exemplo: posso usar sonoridades que explorem a ambivalência entre ritual e emoção, ou peças multimídia que reinventem iconografias medievais numa chave pós-apocalíptica. A ênfase de Le Goff na materialidade do sagrado (objectos, rituais) dialoga com a minha prática de traduzir conceitos científicos e filosóficos em texturas sonoras.
Referências e leituras recomendadas
Le Goff, Jacques. Le Dieu du Moyen Âge: entretiens avec Jean-Luc Pouthier. Bayard, 2003. (edição portuguesa/ brasileira: O Deus da Idade Média, Civilização Brasileira).
Resenhas e notas críticas em periódicos de história medieval e coletâneas sobre história cultural (ver referências acadêmicas e artigos de revisão citados em Portugal e Brasil).




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