O Som e o Sentido - Uma outra historia da música
- carlospessegatti
- há 4 dias
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Atualizado: há 2 dias

José Miguel Wisnik
“De todas as artes, a música é a mais efêmera, a mais difícil de traduzir em palavras.” — José Miguel Wisnik.
Apresentação editorial (breve)
Publicado originalmente em 1989 e reeditado em edições posteriores pela Companhia das Letras, O som e o sentido ocupa um lugar singular entre os livros de divulgação musical: combina física acústica, história, antropologia e teoria musical com um vocabulário literário que o torna leitura atraente tanto para músicos quanto para leitores curiosos.
Nota sobre a edição e o material de suporte
Nas primeiras edições o leitor recebia uma fita cassete com exemplos sonoros; edições posteriores trouxeram CD/playlist online para acompanhar conceitos como escala, harmônicos e séries de intervalos — recurso que reforça o caráter didático do livro, aqui esta playlist pode ser ouvida através de um link do Youtube.
Estrutura geral do livro
Wisnik organiza a “outra história das músicas” não por cronologia estrita de compositores, mas em grandes blocos conceituais que correspondem a diferentes maneiras de ordenar o som: Modal, Tonal e Serial — cada bloco contém capítulos que exploram como civilizações e tradições musicais distintas moldaram escolhas de altura, duração, ritmo e harmonia. O livro encerra com reflexões sobre as vanguardas do século XX e a música popular.
Texto principal — análise capítulo a capítulo
Introdução — “Matéria-prima: som e silêncio”
“O som e o silêncio em estado puro” (Wisnik).
Resumo e análise. A introdução estabelece os dois parâmetros fundamentais com que Wisnik trabalha: altura (frequência) e duração (tempo). A originalidade do autor está em tratar esses parâmetros como um continuum — mostrando como, a partir de determinado limiar, o ritmo “vira” melodia e depois harmonia — e em ligar conceitos acústicos (série harmônica, limiares perceptivos) a escolhas culturais de afinação e escala. Este capítulo funciona como a caixa de ferramentas conceitual do leitor.
Bloco I — Modal (capítulos: pentatônica, modos, tradições não-tonais)
“A pentatônica é talvez a maneira favorita da humanidade de pescar…”, (paráfrase de Wisnik).
Resumo e análise por capítulo (agrupado).
Capítulo sobre a pentatônica: Wisnik explica por que a pentatônica aparece em tantas culturas — sua relação com harmônicos e intervalos de quinta — e como ela fornece uma paleta sonora intuitiva para muitas tradições (da música tradicional chinesa ao blues). A leitura é rica em exemplos sonoros (na versão com trilha, aqui também disponibilizada) e em conexões antropológicas.
Capítulo sobre modos e cantochão: o autor recontextualiza o canto medieval (e outras práticas modais) como formas não necessariamente “pré-tonais” mas como sistemas com lógicas próprias de tensão/resolução distintas do sistema tonal que viria a dominar a Europa.
Comentário crítico. Este bloco é um dos pontos fortes para quem quer pensar músicas fora do eixo tonal europeu; Wisnik evita a hierarquia eurocêntrica e demonstra que o “modo” é uma maneira coerente de ordenar o som, com suas próprias estéticas e funções sociais.
Bloco II — Tonal (capítulos: escala diatônica, temperamento, desenvolvimento tonal europeu)
Resumo e análise por capítulo (agrupado).
Wisnik traça a emergência do sistema tonal ocidental a partir de escolhas históricas de afinação, temperamento e de concepções estéticas sobre função e cadência. Explica o papel da “sensível” e a construção de tensão (dominante–tônica) como motor da narrativa musical ocidental. Também discute implicações técnicas (piano, temperamentos históricos) e a relação entre tecnologia de instrumentos e evolução da linguagem tonal.
Comentário crítico. Aqui ele equilibra erudição e clareza didática — por vezes entregando passagens literárias mais densas, mas sempre retomando a explicação técnica com exemplos auditivos. Para o compositor e produtor, as discussões sobre temperamento e escolha de afinações são particularmente fecundas.
Bloco III — Serial (capítulos: atonalismo, serialismo, as vanguardas do século XX)
Resumo e análise por capítulo (agrupado).
Wisnik aborda o fim do cânone tonal e a emergência de práticas composicionais que rejeitam hierarquias tradicionais (atonalismo, serialismo). Em vez de usar jargão hermético, o autor procura explicar em termos de “como as regras são trocadas”: da função harmônica à lógica de série, do timbre como parâmetro ao papel do silêncio. Ele também demonstra como essas práticas dialogaram (e se distanciaram) da música popular.
Comentário crítico. O capítulo equilibra boa didática sobre técnica serial e uma avaliação cultural da recepção social às vanguardas — ponto útil para leitores que pensam a música como prática estética e instituição social.
Capítulo final / Epílogo — “Música de concerto, mercado e as escutas múltiplas
”Resumo e análise. Wisnik conclui ponderando as trajetórias divergentes da música de concerto (tendência a negar repetição/pulso) e da música de mercado (que afirma repetição e pulso). Não ignora jazz, rock e a pluralidade de escutas contemporâneas; reconhece em músicos brasileiros (ex.: Hermeto Pascoal) e em manifestações populares casos que desafiam fronteiras disciplinares.
“De todas as artes, a música é a mais efêmera, a mais difícil de traduzir em palavras.” — Wisnik.
Pontos fortes do livro
Integração interdisciplinar: conecta acústica, percepção, antropologia e história cultural de forma articulada.
Didatismo prático: a presença de exemplos sonoros (cassete/CD/playlist) transforma conceitos abstratos em experiências auditivas.
Releitura não-eurocêntrica: amplia o repertório para outras tradições (modais, pentatônicas, não-ocidentais).
Questões críticas
Em alguns trechos a prosa literária pode dispersar leitores que buscam explicação técnica direta; há vezes em que Wisnik prefere digressões poéticas à precisão terminológica.
Apesar de abordar música popular, a ênfase analítica ainda privilegia dispositivos teóricos vindos da música erudita — o que abre espaço para uma discussão mais extensa sobre indústria, mídia e tecnologia na música popular contemporânea.
O som e o sentido é leitura obrigatória para quem pensa a música como fenômeno sonoro, social e técnico. Wisnik oferece ferramentas conceituais que servem tanto ao ouvinte atento quanto ao compositor/produtor.
As principais ideias apresentadas são apoiadas por um percurso sonoro disponível em uma playlist na página da editora. Aqui este percurso sonoro pode ser apreciado pelo vídeo abaixo.
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Saiba mais sobre este livro e o seu autor
Capa da edição original de 1989

Capa Edição revisitada e atualizada de 2017



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