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Oligarquias em Espelho: Brasil e EUA na Arquitetura Oculta do Poder

  • carlospessegatti
  • 21 de nov.
  • 6 min de leitura
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Um diálogo entre Fábio Konder Comparato, C. Wright Mills, Mike Lofgren e Jane Mayer sobre elites, Estado profundo e democracia tutelada.


Epígrafe de Abertura

“Nunca houve, no Brasil, um governo do povo. E nos EUA, o governo do povo foi sempre um ideal, não um fato.”


Introdução

A história do poder, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, é a história da persistência das elites. Se no Brasil o percurso vai do latifúndio ao financismo, nos EUA ele vai da indústria ao Deep State contemporâneo. Ambos formam sistemas de dominação em que a democracia existe como forma, não como substância.

Este post explora, em paralelo, A Oligarquia Brasileira (Comparato) e três obras fundamentais do pensamento crítico americano:

  • The Power Elite (C. Wright Mills)

  • The Deep State (Mike Lofgren)

  • Dark Money (Jane Mayer)


A pergunta orientadora: existem paralelos estruturais entre as oligarquias dos dois países?


1. A gênese do poder: patrimonialismo x corporações

Comparato identifica a raiz do poder brasileiro no sistema colonial escravocrata.Nos EUA, Mills revela que o poder emerge de uma tríade corporativo-militar-política.Ambos mostram elites que se constituem antes da democracia — e que a moldam.


2. A metamorfose das elites

No Brasil, a oligarquia muda de forma mas não de função.Nos EUA, Mayer demonstra que bilionários moldam leis, opinião pública e instituições.O poder circula, mas no interior da mesma classe.


3. Estado e dominação

O Estado brasileiro sempre serviu como prolongamento da elite.O Estado americano possui um núcleo permanente de poder — o Deep State — que ultrapassa eleições. Em ambos, a democracia formal convive com o poder real invisível.


4. Emancipação popular: mito ou conquista parcial?

No Brasil: emancipação inexistente.Nos EUA: emancipações importantes (New Deal, Direitos Civis), mas sempre controladas. A participação popular nunca penetra o núcleo das decisões estratégicas.


5. Do século XX ao XXI: a elite algorítmica

A nova elite global é formada por:

  • Big Techs

  • fundos de investimento

  • indústria bélica

  • conglomerados de comunicação

  • plataformas digitais


Oligarquias pós-industriais operam agora com dados, algoritmos e controle informacional.



Brasil e EUA espelham-se na longa duração da dominação. Comparato e os autores americanos revelam que elites mudam de rosto, mas não de natureza.O desafio contemporâneo é entender essas engrenagens — e criar espaços de autonomia, criação e resistência, como a arte independente que eu represento.


3. BIBLIOGRAFIA ANOTADA

1. Mills, C. Wright. The Power Elite (1956)

Análise seminal sobre a elite americana composta por líderes corporativos, militares de alta patente e políticos de topo. Revela conexões entre economia, Estado e guerra. Uma das obras sociológicas mais influentes do século XX.

2. Domhoff, G. William. Who Rules America? (várias edições)

Estudo empírico sobre redes de poder, fundações, think tanks, elites econômicas e governança. Mostra como a elite age de forma institucionalizada, não conspiratória, para moldar consensos.

3. Lofgren, Mike. The Deep State (2016)

Livro de um insider do Congresso. Defende que há uma camada de poder permanente composta por Pentágono, agências de inteligência, corporações de defesa, Wall Street e burocratas estáveis. Essencial para entender a expressão “Deep State”.

4. Mayer, Jane. Dark Money (2016)

Investigação profunda sobre famílias bilionárias que financiam movimentos políticos, grupos conservadores, universidades e estratégias judiciais. Mostra como o capital privado influencia instituições democráticas.

5. MacLean, Nancy. Democracy in Chains (2017)

História intelectual e política de como ideias econômicas neoliberais foram financiadas e difundidas para limitar a democracia popular e proteger elites patrimoniais.

6. Pareto, Vilfredo. The Rise and Fall of Elites (1935)

Clássico da teoria das elites, não americano, mas estrutural para compreender ciclos de renovação e domínio de grupos privilegiados.

7. Fábio Konder Comparato. A Oligarquia Brasileira (2017)

A base brasileira para comparação. Mostra a formação histórica e a longevidade da elite no Brasil, articulando direito, história e crítica social.



1. ENSAIO COMPARATIVO COMPLETO


Oligarquias em Paralelo: Brasil e Estados Unidos na Longa Duração do Poder

Introdução


Fábio Konder Comparato, em A Oligarquia Brasileira, demonstra como o poder nacional se estruturou em torno de uma elite patrimonialista que atravessou séculos convertendo a propriedade (terra, capital, Estado) em dominação estrutural. Autores americanos como C. Wright Mills, Mike Lofgren e Jane Mayer fazem um diagnóstico análogo sobre os EUA, revelando elites corporativas, militares e financeiras que moldam decisões políticas e controlam a vida pública.


O objetivo deste ensaio é articular essas leituras para compreender um paradigma global de poder, que ajuda a iluminar as transformações tecnológicas, culturais e econômicas do presente — terreno onde eu produzo minhas reflexões e minha arte.


I. Estruturas de formação do poder: patrimonialismo vs. corporativismo

Comparato mostra que a elite brasileira nasce de um sistema colonial baseado em latifúndio e escravidão. O poder é privado desde o princípio: o senhor de engenho é juiz, polícia, economia e moral local.


Nos EUA, C. Wright Mills, em The Power Elite, descreve a formação de uma tríade de poder — militares, corporações e governo federal — consolidada no pós-guerra. Diferente do sistema brasileiro, a elite norte-americana surge de um capitalismo industrial precoce e de uma burocracia institucionalizada.

O paralelismo estrutural:

  • Brasil: a elite é hereditária e territorial.

  • EUA: a elite é corporativa e tecnocrática.


    Em ambos, porém, o povo participa pouco da formulação real das decisões.


II. Reconfiguração histórica: metamorfoses que preservam o poder

Comparato demonstra que, após a Independência, a elite brasileira apenas reconfigura suas formas — do senhor de escravos para o barão do café, depois para o industrial e, no século XX, para o financista.


Nos EUA, Jane Mayer mostra em Dark Money como fortunas privadas influenciam think-tanks, universidades, tribunais, mídia e campanhas eleitorais. A elite muta suas estratégias: de industrial (Ford, Rockefeller) para financeira (Goldman Sachs), tecnológica (Big Tech) e filantrópica-ideológica (Koch Network).


Em ambos os países, ocorre o mesmo processo de fundo: o poder muda de forma para continuar sendo poder.


III. O Estado como instrumento da elite

No Brasil, o Estado Novo e a Ditadura Militar são momentos de reforço direto da elite econômica, com o aparato repressivo como seu escudo.


Nos EUA, Mike Lofgren, em The Deep State, argumenta que há uma camada permanente do governo — inteligência, Pentágono, indústria bélica, Wall Street, burocracias — que opera além dos ciclos eleitorais. A democracia formal existe, mas é tutelada.


O paralelismo aparece na ideia de poder permanente:

  • No Brasil: coronéis, militares, corporações nacionais.

  • Nos EUA: generais, agências, multinacionais, Big Techs.


IV. O mito da emancipação popular

Comparato afirma que o povo brasileiro nunca governou, sendo mantido à margem por séculos de desigualdade educacional e econômica.


Nos EUA, apesar de conquistas como o New Deal e os Direitos Civis, autores críticos afirmam que a emancipação foi real, mas limitada, sempre contida por forças estruturais. C. Wright Mills mostra que o americano comum tem pouca influência sobre decisões macroeconômicas e geopolíticas.


Assim, os dois países compartilham o dilema:direitos existem, poder real não.


V. As novas elites: tecnologia, finanças e algoritmos

A crítica contemporânea aponta que vivemos sob a ascensão de um tecnocapitalismo global.


  • No Brasil, oligopólios de comunicação, bancos e grupos financeiros.

  • Nos EUA, Big Tech, Wall Street, Complexo Militar e a indústria de dados.

O que Mills anunciava nos anos 1950 hoje se amplifica: o poder deixa de ser apenas territorial ou institucional e passa a ser informacional e algorítmico — cenário que eu, exploro conceitualmente em meus textos sobre IA, música e cosmologia crítica.



Brasil e Estados Unidos têm histórias diferentes, mas uma lógica semelhante: elites adaptativas que capturam o Estado e moldam a sociedade. Comparato dá o mapa histórico brasileiro; Mills, Lofgren e Mayer dão o mapa americano.Juntos, revelam as engrenagens da oligarquização global.




A pergunta crucial: “O povo americano foi emancipado em algum momento?”


Curto e direto (com evidência): em termos legais e parciais, sim — houve marcos de emancipação; em termos estruturais e de controle do poder, não houve uma ruptura completa. Explico:

  1. Emancipação legal e direitos civis — avanços reais e formais aconteceram:

    • A abolição legal da escravidão foi consagrada com a 13ª Emenda (e a Guerra Civil / Proclamação de Emancipação abriram o caminho). Foi uma transformação jurídica enorme. 

    • Movimento dos Direitos Civis e leis como o Civil Rights Act (1964) produziram direitos civis e legislação anti-discriminação que mudaram profundamente a vida de milhões. 

  2. Reformas sociais e econômicas ampliaram participação — houve momentos de redistribuição e inclusão parcial:

    • O New Deal (F.D. Roosevelt) criou programas sociais, trabalho público e reorganizou a economia — foi uma abertura institucional à intervenção estatal a favor de setores populares e reorganizou o campo político (coalizões, sindicatos, proteção social). Isso representou uma forma limitada de “emancipação” material e política para camadas amplas. 

  3. Mas — limites e continuidade do poder da elite

    • Autores como C. Wright Mills e G. William Domhoff argumentam que, apesar desses avanços, o núcleo decisório continua concentrado em elites interligadas (militar, corporações, liderança política); o poder estrutura opções e juntas políticas que preservam privilégios. Ou seja: conquistas são reais, mas o funcionamento estrutural da dominação não foi completamente rompido. 

    • Investigações modernas (Lofgren, Mayer, MacLean) mostram como o capital financeiro, as famílias bilionárias, redes filantrópicas e certas burocracias/permanências estatais (Pentágono, agências, inteligência) produzíram mecanismos para conservar e estender influência mesmo após reformas democráticas. Isso se parece muito com a “metamorfose” da oligarquia que Comparato descreve para o Brasil.


Houve emancipações concretas (abolição formal, direitos civis, programas sociais) — mas elas ocorreram no interior de um sistema onde as elites aprenderam a se adaptar, a se recompor e a proteger seus interesses por meios institucionais, econômicos e culturais. Portanto a “emancipação” é parcial e histórica — real em direitos e ganhos materiais, insuficiente para destruir a estrutura de poder concentrado.



 
 
 

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