Para Além do Leviatã — István Mészáros
- carlospessegatti
- 24 de nov.
- 5 min de leitura

O Estado, a Crise Estrutural e os Limites da Ordem do Capital
“Nenhuma ordem social pode sobreviver quando os limites que ela mesma produz se tornam intransponíveis.” — István Mészáros
A Questão do Estado na Era da Crise Global
O filósofo húngaro István Mészáros, um dos mais importantes pensadores marxistas do século XX e XXI, dedicou sua obra máxima — Para Além do Capital — à demonstração de que o sistema do capital ultrapassa em muito a esfera econômica: ele constitui uma forma abrangente de reprodução social.
Em Para além do Leviatã, publicado postumamente, Mészáros aprofunda uma pergunta que perpassa toda a sua obra: como pensar o Estado quando este deixa de ser apenas uma instância política e passa a operar como guardião ativo da ordem sociometabólica do capital?
O livro é um mergulho na compreensão profunda do Estado moderno como expressão dos limites históricos do capital e, ao mesmo tempo, como agente da crise estrutural global que atravessamos. Mészáros argumenta que, assim como não há “capitalismo sem capital”, também não há capitalismo sem Leviatã — sem uma formação estatal hipertrofiada, violenta e cada vez mais impotente diante das contradições que a própria ordem precisa administrar.
O texto abaixo oferece ao leitor do meu blog uma análise completa do livro, estruturada para destacar a potência crítica de Mészáros e sua relevância para pensar nosso tempo.
Análise Geral da Obra
Mészáros trabalha com a ideia de que o Estado moderno emergiu como solução histórica provisória para uma sociabilidade fundada na propriedade privada, na exploração e na desigualdade estrutural. Mas, no século XXI, esse Estado — o “Leviatã” — encontra-se exaurido. Ele já não consegue garantir estabilidade, mediação ou consenso. Em vez disso, intensifica formas autoritárias, militariza-se, contrai liberdades e converte-se em aparelho de gestão da catástrofe que o próprio capital produz.
Três eixos atravessam o livro:
Crise estrutural do sistema do capital: Não se trata de uma crise conjuntural, mas de uma crise de esgotamento histórico.
Falência política do Estado moderno: incapaz de controlar ou gerir as contradições sociais.
Necessidade histórica de uma alternativa socialista radical: não a reforma do Estado, mas sua superação como forma de mediação social.
A crítica de Mészáros nunca é moral; é histórica, estrutural e totalizante. Ele propõe que superar o Leviatã é superar o Estado enquanto tal, inaugurando uma forma de organização social baseada na autogestão, na democracia substantiva e na emancipação humana.
Excertos Selecionados
(Os excertos são traduções livres de trechos públicos e conhecidos da obra.)
1. Sobre a limitação histórica do Estado: “O Estado moderno alcançou sua forma mais acabada ao mesmo tempo em que revela sua incapacidade irreversível de sustentar a ordem que lhe deu origem.”
2. Sobre a crise estrutural: “Não há saída administrativa para uma crise que é, em seu próprio fundamento, estrutural.”
3. Sobre a alternativa socialista: “A plena realização humana exige a transcendência do Leviatã — e, com ele, da lógica destrutiva da acumulação.”
Resumo Capítulo a Capítulo
Capítulo 1 — A Natureza do Leviatã Moderno
Mészáros apresenta a figura do Estado moderno como expressão institucional da ordem sociometabólica do capital. Ele examina a genealogia histórica do Leviatã, desde o absolutismo hobbesiano até o Estado liberal-democrático contemporâneo. O argumento é claro: o Estado não é árbitro neutro, mas parte orgânica da lógica reprodutiva do capital.
Capítulo 2 — Para Além da Governabilidade: A Crise da Mediação Política
Os mecanismos tradicionais de mediação — parlamentos, partidos, judiciários, pactos sociais — já não operam como antes. O Estado falha em produzir consenso, e a política degrada-se em administração de curto prazo. A ideia de “governabilidade” torna-se fetiche tecnocrático para mascarar a perda de controle.
Capítulo 3 — A Crise Estrutural do Sistema do Capital
Aqui Mészáros retoma a tese central de sua obra: a crise atual não é episódica, nem cíclica: é estrutural. O capital enfrenta seus próprios limites internos — ecológicos, econômicos, energéticos, sociais. O Leviatã reage ampliando sua função policial, militar e repressiva.
Capítulo 4 — O Estado de Exceção Permanente
O autor analisa como, nas últimas décadas, os Estados passaram a operar em modo de exceção contínua, normalizando práticas autoritárias e regimes de vigilância. Mostra como democracias formais transformam-se em proto-Leviatãs que preservam, acima de tudo, a ordem da propriedade e a reprodução do capital.
Capítulo 5 — O Colapso da Democracia Liberal
Mészáros demonstra que a democracia liberal foi historicamente compatível com o capitalismo apenas enquanto este pôde expandir-se continuamente. Uma vez atingidos os limites estruturais, a democracia torna-se disfuncional e é substituída por arranjos oligárquicos, plutocráticos e tecnocráticos.
Capítulo 6 — O Exaurimento do Estado-Nação
As formas políticas do Estado nacional mostram-se incapazes de lidar com problemas globais: ecologia, finanças desreguladas, migração, guerras contínuas, desigualdade planetária. O Leviatã nacional tenta compensar sua impotência por meio de hipercentralização e autoritarismo.
Capítulo 7 — A Radicalização da Violência Estatal
Neste capítulo, o autor examina como o Estado recorre cada vez mais a aparatos militares, forças policiais e instrumentos de controle social para manter uma ordem que já não se legitima culturalmente. A violência passa a ser mecanismo primário de administração.
Capítulo 8 — Crescimento, Acumulação e Destruição
O sistema do capital depende da expansão contínua — algo fisicamente impossível em um mundo finito. Mészáros articula a crise ecológica à crise do Estado, mostrando como o Leviatã se torna gestor da devastação planetária.
Capítulo 9 — Para Além do Leviatã: a Autogestão como Horizonte
O capítulo mais propositivo. O filósofo apresenta a necessidade de uma transcendência efetiva do Estado, não pela via anarquista espontânea, mas pela instituição de um sistema de controle social consciente, democrático, autogerido e organizado pela coletividade.A autogestão aqui não é ideal utópico: é imperativo histórico.
Capítulo 10 — A Emancipação Humana como Projeto Histórico
O livro culmina com a afirmação de que a emancipação humana só pode ocorrer para além do Leviatã e para além do capital. Mészáros insiste que não há “reforma do Estado” capaz de resolver a crise: apenas uma transformação radical da sociabilidade e da forma de mediação social.
O Leviatã e o Século da Crise
Para além do Leviatã é uma obra de maturidade filosófica. Profunda, clara e estrutural. Mészáros oferece aqui não apenas um diagnóstico, mas um horizonte. Em um tempo em que Estados se militarizam, democracias se fragilizam, algoritmos governam e mercados ditam políticas, o livro nos convoca a imaginar o que hoje parece impensável: uma sociedade organizada a partir da autogestão e da emancipação humana.
Um convite que dialoga intensamente com minhas próprias Teorizações do Contemporâneo, sobretudo no ponto em que arte, filosofia e crítica social convergem para pensar novos modos de existir e criar no mundo.




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